Boletim Canada Desk – Março 2021
CSFR Advogados
Boletim Canada Desk – Março 2021
Negociações Comerciais entre Brasil e Canadá Suspensas
Por Gerald Matlofsky
Em julho de 2020, Brasil e Canadá iniciaram negociações para aumentar a quantidade de carne exportada do Brasil para o Canadá. De acordo com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), as conversas foram iniciadas com o propósito de estabelecer um acordo de livre comércio que poderia elevar as exportações de carne brasileira em mais de USD 1,8 bilhão. Infelizmente, as negociações foram suspensas pelo governo canadense e as razões para isso são ilustrativas dos impedimentos e possíveis soluções para que os dois países cheguem a novos entendimentos comerciais no futuro.
Sua Excelência, o Presidente Jair Messias Bolsonaro, foi eleito com a promessa de que daria início ao rápido desenvolvimento da Amazônia. O plano era estimular atividades de mineração, a construção de rodovias, barragens e pontes. O Canadá – e os canadenses – têm uma grande preocupação com a proteção ambiental e suas organizações ambientais exercem forte pressão sobre os políticos do país para que se abstenham de negociar acordos comerciais com países que são tolerantes ao desmatamento. A ministra canadense para o comércio internacional, Mary Ng, declarou que a liberalização do comércio e a proteção ambiental devem caminhar juntas, de modo a promover o aumento do comércio e reduzir a devastação ambiental.
Não obstante a suspenção das negociações com o Brasil, o Canadá acredita firmemente que é fundamental diversificar seus parceiros comerciais. Entretanto, os negociadores canadenses fazem questão de mostrar tanto internamente como internacionalmente que respondem às preocupações domésticas.
Atualmente, os frigoríficos são capazes de fornecer localização georreferenciada de suas fazendas e sobrepor esses pontos em mapas de áreas protegidas. Caso algum fornecedor esteja localizado próximo a uma unidade de conservação, ele deve demonstrar que não desmatou além dos limites permitidos. Essas plataformas também são capazes de identificar se os fornecedores operam em áreas florestais desmatadas no passado. A estratégia é semelhante à adotada nas salvaguardas no comércio de peixes capturados por arrastões, técnica permitida somente com determinados tipos de redes de pesca.
Plataformas de monitoramento e rastreamento são instrumentos para garantir que os importadores não comprem de fornecedores que possam estar contribuindo para a degradação ambiental. Ao invés de abandonar as negociações comerciais, os diplomatas canadenses poderiam sugerir o uso das tecnologias de rastreamento com o fim de atender todos os interesses envolvidos.
O Princípio da Cortesia (“The Doctrine of Comity”) no Direito Internacional aplicado pela Suprema Corte de Nevada (EUA) em favor da Comissão de Valores Mobiliários da Colúmbia Britânica (Canadá)
Por Nilam Bhanji
Um dos princípios elementares do Direito Internacional garante aos Estados soberanos a jurisdição exclusiva sobre seus próprios territórios. A lei de um país, portanto, não deveria vincular sujeitos de Direito Internacional ou tribunais estrangeiros. No entanto, dada a complexidade das relações jurídicas e econômicas em um mundo globalizado, não é possível aos Estados contemporâneos simplesmente ignorarem a existência de normas alienígenas e viverem em pleno isolamento.
O princípio da cortesia no Direito Internacional, aplicável tanto às jurisdições que seguem o Common Law como a Civil Law, incentiva os tribunais de um Estado a reconhecer as decisões proferidas pelos órgãos reguladores e outros sujeitos de direito público com competência sancionatória vinculados a outro Estado. Essencialmente, o princípio da cortesia incentiva os tribunais a aplicarem essas decisões no território sob sua jurisdição quando entender que é mais apropriado fazê-lo.
Um fato ocorrido nos Estados Unidos ilustra o funcionamento desse princípio: A Suprema Corte de Nevada concedeu aos reguladores do mercado de valores mobiliários canadense a possibilidade de obter indenização para as vítimas de um indivíduo que fugiu para os Estados Unidos após cometer fraude no Canadá[1]. O precedente foi estabelecido por unanimidade, permitindo que o estado de Nevada executasse uma ordem de indenização emitida pela Comissão de Valores Mobiliários da Colúmbia Britânica, um estado canadense[2], no valor de USD 21,7 milhões.
Um dos motivos apontados na sentença proferida pela Suprema Corte de Nevada para a aplicação do princípio da cortesia foi a política de promoção e cooperação entre os Estados Unidos e o Canadá, fundamental para ambos os países. A proximidade geográfica e as relações econômicas umbilicais, caso fossem desprovidas de mecanismos de proteção à economia popular e ao investimento, seriam um campo fértil para o cometimento de crimes.
O princípio da cortesia, obviamente, não é aplicável apenas entre os Estados Unidos e o Canadá. Sendo um princípio elementar do Direito Internacional, o Brasil também poderia utilizá-lo como formar de encorajar outros Estados a também fazê-lo. Dado o precedente norte-americano da aplicação de uma ordem proferida por um órgão regulador canadense, há expectativa de que novas decisões desse tipo ocorram em breve.
No caso de fraudes financeiras, a fuga do indivíduo condenado para outros países com o propósito de evitar o cumprimento da decisão sancionatória administrativa – ou mesmo judicial – restringe severamente a eficácia da medida. Considerando que esse tipo de crime pode gerar repercussão internacional, acredita-se que a maioria dos países estaria disposta a fazer cumprir as ordens provenientes de tribunais e órgãos reguladores de outras jurisdições na expectativa de que os outros países também o fizessem.
O princípio da reciprocidade, portanto, daria amplitude ao princípio da cortesia e efetividade ao combate à criminalidade financeira transnacional.
[1] Nevada Supreme Court Upholds Order in Canadian Investment Fraud Case. Acesso em 11 de março de 2021.
[2] British Columbia Securities Commission.
O Boletim Canada Desk oferece informações gerais e não deve ser interpretado como aconselhamento jurídico.